Pastorais
Testemunhar os sinais da graça na unidade do corpo de Cristo
Texto Bíblico: I Coríntios 1. 18-31.
Um dos temas bienais da Igreja Metodista que nos orienta para a caminhada de fé é: “Testemunhar os sinais da graça na unidade do corpo de Cristo”. Mas para entender melhor a finalidade deste tema precisamos logo de início fazer algumas perguntas: quais são os sinais da graça? Como posso praticá-los na unidade do corpo de Cristo? O que é o corpo de Cristo? Até que ponto, posso manter minha unidade com o que se conhece hoje como “corpo de Cristo”?
Em nossa realidade como Igreja de Cristo, estamos experimentando uma overdose de novidades, modismos e superstições que confundem a mensagem central do Evangelho com os ideais deste mundo. Poder, vitória, guerra, conquistas, grandeza e sobrenatural, são alguns dos temas que estão embutidos em nossa cultura cristã e nos assemelha aos mesmos ideais deste mundo que trabalha sempre em prol da superação do outro, pois ser bom já não basta, tem que ser o melhor, o mais popular entre os amigos e o que consegue ajuntar para si um número maior de bens, títulos e conquistas. Na comunidade de Corinto Paulo enfrentou os mesmos problemas. Os cristãos da sua época estavam tão maravilhados com a vida e a modernidade daquele lugar que trouxeram para dentro da Igreja os mesmos ideais de beleza, poder, disputa, conquista e tudo mais. Para eles era normal que o valor de uma pessoa fosse medido por sua aparência e posição na sociedade, por isso Paulo inverte o valor das coisas e mostra que o projeto de Deus é contrário ao projeto dos homens e Deus se coloca ao lado dos fracos, pobres e necessitados.
Voltando às nossas perguntas no início, identificamos que o verdadeiro sinal da graça é o favor imerecido de Deus que nos alcança independentemente de nossa posição, riqueza ou conhecimento. Cabe a nós testemunhar os sinais deste amor natural de Deus a favor de todos de modo indistinto, priorizando a pessoa em sua essência. Testemunhar os sinais da graça é reproduzir a tolerância, o amor, o companheirismo e a dedicação com os outros. Portanto, ela deve ser praticada na unidade do corpo de cristo para os propósitos a favor da vida. O corpo de Cristo se revela em todas as comunidades que buscam na palavra de Deus ideais a favor da vida. Estar ligado ao corpo de Cristo é aceitar suas orientações e deixar que Ele seja a cabeça que conduz e orienta todo o resto. E para saber até que ponto, posso manter minha unidade com o que se conhece hoje como “corpo de Cristo”, basta olhar para os frutos deste corpo e identificar se ele é a imagem e semelhança real de Deus ou uma cópia pirateada deste mundo que traz pra dentro de si a vontade de ser grande e poderoso, consumindo qualquer produto que se pareça com o verdadeiro Evangelho.
E por fim...
O que Paulo quer mostrar à comunidade de Corinto em sua época e a nós hoje, é que, em Deus, todos nós somos portadores de novidade de vida, novidade que transforma de forma radical nossos contextos e gera pessoas dependentes de sua graça, convertidas ao seu amor, cuidado e domínio. A Igreja de hoje tem o desafio de “nadar contra a maré” e não seguir a normalidade deste mundo, não aceitando tudo o que se vende em nome do corpo de Cristo. O nosso referencial deve ser sempre Jesus. Suas palavras e seu modo de vida é que nos deve inspirar o nos fazer buscar sempre nEle, o motivo de nossa glória.
Amém!
A lei da liberdade
“Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera, atentamente, a Lei perfeita, Lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem aventurado no que realizar.” (Tiago 1:23-25)
Vemos aqui duas palavras, que parecem estar em oposição. Lei e Liberdade. Tiago nos diz que guardar a Lei é ter liberdade. E é verdade, a liberdade nos alcança e nos torna bem aventurados quando conseguimos colocar em prática o Evangelho e toda sua essência.
Neste texto, Tiago chama a atenção para a essência da vida cristã que é: ouvir a palavra do Evangelho e colocá-la em prática. A fé não pode se basear simplesmente em afirmações que são ouvidas e decoradas como os famosos chavões. Pelo contrário a fé é compromisso que nos leva a tomar atitudes concretas e cheias de conseqüências para o Reino de Deus.
O centro do Evangelho é o mandamento do amor e por isso é que ele se torna a Lei da Liberdade, pois o amor não se restringe a exigir a obediência a uma lista de obrigações; ele é comportamento criativo que sabe dar resposta libertadora e criativa em todas as situações.
O mundo pelo contrário, nos exige uma série de obrigações para que alcancemos uma pseudo-liberdade, pois para ser livre no mundo tenho que me encaixar no esquema da maioria, tenho que anular minha consciência para aceitar as idéias anunciadas pela mídia e propagandas.
Deus nos chamou para sermos livres e anunciar esta liberdade de forma alegre, viva e eficaz! Amar a obra de Deus, amar a criação de Deus, amar a Igreja e nossos irmãos, amar a nós mesmos, é o princípio para ser livre e capaz de viver contente em qualquer circunstância.
De seu amigo, pastor e irmão Jovanir Lage
O que tens em casa?
Mensagem para o retiro de Carnaval em São João Del Rei – 13/02/2010, com o tema: “O desafio de John Wesley para os metodistas hoje.”
II Reis 4.1-7
1 Certa mulher, das mulheres dos discípulos dos profetas, clamou a Eliseu, dizendo: Meu marido, teu servo, morreu; e tu sabes que ele temia ao senhor. É chegado o credor para levar meus dois filhos para lhe serem escravos. 2 Eliseu lhe perguntou: Que te hei de fazer? Dize-me que é o que tens em casa. Ela respondeu: tua serva não tem nada em casa, senão uma botija de azeite. 3 Então disse ele: Vai, pede emprestadas vasilhas a todos os teus vizinhos; vasilhas vazias, não poucas. 4 Então entra, e fecha a porta sobre ti, e sobre teus filhos, e deita o teu azeite em todas aquelas vasilhas; põe à parte a que estiver cheia. 5 Partiu, pois, dele, e fechou a porta sobre si e sobre seus filhos; estes lhe chegavam as vasilhas, e ela as enchia. 6 Cheias as vasilhas, disse ela a um dos filhos: Chega-me aqui mais uma vasilha. Mas ele respondeu: Não há mais vasilha nenhuma. E o azeite parou. 7 Então foi ela e fez saber ao homem de Deus; ele disse: Vai, vende o azeite, e paga a tua dívida; e tu e teus filhos vivei do resto.
Introdução
É muito bom que a Igreja se proponha a conhecer mais de sua história, pois é conhecendo o passado que temos a oportunidade de construir um futuro melhor. Há um provérbio do povo hebreu que diz assim: “Uma pessoa começa a morrer quando não se lembra de sua história”. É assim mesmo, pois a história é que mantém viva a nossa identidade.
Nós Metodistas, temos uma rica história que marca nossa identidade como cristãos comprometidos com o Reino de Deus, no que diz respeito à promoção do Evangelho Social. John Wesley nasceu em tempos difíceis, seu pai era pastor da Igreja Anglicana e seguia uma tradição familiar de pastores. A família de dez irmãos vivia na pequena casa pastoral de Epworth e seus ordenados mal sustentavam a família. A educação na Inglaterra por volta de 1700, era privilégio de ricos e como alternativa, sua mãe criou uma escola na própria casa.
O contexto da revolução industrial promovia a exploração das pessoas que serviam como escravas das grandes indústrias, aumentando ainda mais a pobreza, a miséria e as injustiças sociais. Mas a educação que Wesley recebeu de sua mãe, pautada na bíblia como única regra para a vida, fez dele um revolucionário de sua época. Wesley não se conformou com o seu tempo e lutou com todas as suas forças, na promoção de uma sociedade justa e piedosa, que valoriza sua humanidade.
No texto bíblico citado a viúva também estava numa situação difícil onde o contexto da guerra gerou dívidas, miséria, pobreza e a ameaça de perder os filhos como escravos. Como alternativa ela corre em direção ao profeta e lhe pede socorro.
O que chama a atenção no texto é que, quando a mulher é interpelada pelo profeta, sua resposta de imediato é: “tua serva não tem nada em casa, senão uma botija de azeite”.
Vocês já perceberam que quando estamos diante de uma situação difícil, onde parece não haver mais saída para um problema, nos escondemos e deixamos nos dominar por nossa incapacidade? É muito comum ouvirmos: “Eu não tenho dom”; “Eu não sou capaz”; “eu não tenho coragem…” somos freados pelo medo e pelas incertezas da vida e nos esquecemos que Deus pode operar em nossa vida a sua infinita graça.
Porém este relato da multiplicação na casa da viúva nos ensina que a ação de Deus em nós segue alguns princípios.
O primeiro princípio é que…
1. A ação de deus em nossa vida não depende do que temos nem do que somos
É isso mesmo, Deus não olha para nossa aparência e sim para o nosso coração. Aquela mulher não tinha nada em casa. Devemos lembrar que quando a Bíblia se refere a casa, está associando ao termo, a nossa condição física, o nosso ser ou seja, o nosso eu. Não é preciso que tenhamos mesmo muitas habilidades para servirmos a Deus. No entanto, precisamos acreditar que Deus pode agir em nós, da maneira que somos. O texto bíblico nos ensina que com o pouco de azeite que aquela mulher tinha, Deus pode multiplicar, para que ela pagasse suas dívidas e tivesse provisão em sua casa.
A mulher não tinha nada em casa, mas sua fé e sua capacidade de acreditar na ação de Deus transformaram sua situação e sua história.
Precisamos acreditar que Deus não quer de nós muito mais do que a nossa fé e a nossa disposição em aceitar a sua vontade. Assim percebemos que…
2. A ação de deus em nossa vida depende do que queremos ser e do que queremos ter
Deus age em nós através de nossos sonhos e ideais. É preciso haver desejo, vontade. É preciso ter o coração aquecido… Foi assim que John Wesley se rendeu à ação de Deus. Ele colocou seu coração inteiramente à disposição de Deus, se entregou de corpo e alma (psique), com uma profunda vontade de fazer a diferença em seu meio.
Wesley não se deixou levar pelo medo do fracasso ou pela incerteza de não se realizar na vida. A propósito, na maioria das vezes que deixamos de enfrentar uma situação é porque temos medo de errar. Mas porque nos deixamos levar por este medo? Por vergonha de que reconheçam nossas limitações? Por orgulho, para não se expor ao ridículo?
Na verdade temos medo do fracasso. Mas o que não percebemos é que o fracasso acontece não quando erramos e sim quando deixamos de continuar tentando.
Diz a história que Tomas Edson, o inventor da lâmpada incandescente, antes de conseguir desenvolver seu projeto errou cerca de 1430 vezes. O sucesso dele não veio da noite para o dia e sim com muita persistência e dedicação.
O que quero mostrar com esta ilustração é que não podemos deixar de continuar tentando, mesmo que em alguns momentos da vida cometemos erros e precisamos começar do zero.
Deus nos chamou para servi-lo com todas as nossas forças, com todo o nosso entendimento e com toda a nossa alma. A pergunta do profeta continua para nós. O que você quer? O que você tem em casa? John Wesley sabia muito bem o que queria. Quando ele declarou “o mundo é a minha paróquia”, estava sinalizando que a ação de Deus em sua vida não tinha limites e que sua ação em nome do evangelho era abrangente, visava ir para fora das paredes da Igreja.
John Wesley só conseguiu transformar as relações sociais de seu tempo, porque era antes de tudo, transformado pelo Evangelho. Ele não se conformava com o mundo, com as injustiças à sua volta e se tornou um instrumento de Deus para propor mudanças em sua sociedade. O cristão não pode se conformar com o Mundo (Rm 12.1-2). É preciso haver o constante desejo de mudança, de avaliação de nossos critérios com os critérios do Reino de Deus.
Neste sentido, se a ação de Deus em minha vida depende do que eu quero ser e do que eu quero ter, chegamos à conclusão que…
3. Quando eu quero, me esforço e me dedico
Wesley quis fazer a diferença. Ele não se contentava em ser um “meio cristão”, queria sê-lo por inteiro, por profunda gratidão ao dom da vida que Deus lhe deu. Por isso ele não media esforços, se dedicava integralmente à promoção do Reino, abria mão de seu conforto e de seus bens em favor do evangelho.
Jesus nos ensinou a respeito da renuncia do eu. Quando declarou “de que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma” (Mc.8.36), nos mostrou que nada pode estar acima de nossa integridade, hombridade, nossa capacidade de ser digno. Este é o verdadeiro significado de alma (no grego, psique) e se nossa alma voltará para Deus um dia, é para Ele que devemos dedicá-la.
Nós sempre estamos à procura da felicidade e nos enganamos quando pensamos que ela é o resultado de nossa estabilidade profissional e financeira ou da companhia de bons amigos ou um grande amor. A felicidade não está associada à ausência do sofrimento e sim em como passamos pelo sofrimento.
Há um princípio da ética que diz que a nossa realização como pessoa que vive em sociedade precisa passar pelo: “quero – devo – posso”. Em algumas situações, nem sempre o que eu quero, devo fazer e nem sempre o que devo, posso fazer. Neste sentido, para estas três grandes questões da vida, nos realizamos quando o que eu quero, devo e posso fazer. Assim, encontro sentido nos meus projetos e realizações, pois não há culpa e, portanto encontro paz de espírito caminho para a felicidade.
O problema é que achamos mais fácil optar por aquilo que é prático. O prático nem sempre é o certo. O prático é a busca por atalhos. Um exemplo: é mais prático colar do que estudar para uma avaliação, alguns políticos acham mais prático se enriquecerem com seus cargos do que trabalhar em prol do povo.
O Apóstolo Paulo nos ensina que “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma”(ICo 6.12).
Por isso precisamos romper com nossos paradigmas em busca da felicidade, sair de nosso comodismo e nos esforçarmos com dedicação para a construção e permanência do Reino de Deus em nossa sociedade, para que a lógica do “quero – devo – posso”, se estabeleça em nossa caminhada, influenciando as pessoas à nossa volta.
O que John Wesley mais destacou em sua vida e obra foi a idéia de que o Evangelho só tem sentido e valor se ele se tornar um Evangelho Social que promova a aproximação do ser com o seu criador. Este é o maior desafio de Wesley para os Metodistas hoje.
Igreja fabrica tijolos para a construção do templo
"...Amassem barro e preparem as formas para fazer tijolos". (Naum 3.14b NTLH)
“Eu tirei das costas de vocês as cargas pesadas, fiz com que vocês ficassem livres de carregar os cestos cheios de tijolos" Sl 81.6 (NTLH)
Esses dois versículos que você acaba de ler, ambos se referem às lembranças de Deus ao seu povo. O primeiro é sobre a ruína inevitável de Níneve; no segundo texto o salmista lembra que Deus tirou dos ombros do povo de Israel o fardo de quando eles construíam tijolos no Egito. No entanto, o povo de Deus voltou a construir tijolos, mas dessa vez para construir o seu próprio templo. Pelo menos é o que acontece no sul de minas, no Campo Missionário em São João Del Rei, onde os irmãos(ãs) foram desafiados(as) pelo pastor, Jovanir Lage, a darem início ao tão sonhado templo em uma área de quase 700 metros quadrados.
Com uma máquina usada que custou R$ 1200,00, um pouco de terra e cimento, a comunidade já construiu 3.500 tijolos ecológicos, pois são curados apenas com água e não fogo, dos 35 mil necessários para levantar o templo de 394m2 de área construída. Jovanir, que está em seu primeiro ano como pastor na igreja local, afirma que “este é um sonho antigo da comunidade, pois eles adquiriram esta propriedade de 678 metros quadrados há quinze anos. Estava faltando somente uma injeção de fé, coragem e ânimo, e, além disso, entender que antes de construirmos um templo precisaríamos edificar uma Igreja no coração de cada um.
O povo reconstruiu os muros da cidade de Jerusalém em 52 dias, porquê nós não podemos levantar as paredes do templo? Talvez levaremos um pouco mais de tempo, mas no Reino de Deus tudo é feito com fé, planejamento e coragem”, disse o pastor empolgado com o projeto.
Texto publicado em fevereiro de 2011
O evangelho e a religião
O conceito de religião geralmente está associado ao sentido de conexão entre o divino e o humano. Alguns até defendem que a origem da palavra está no latim re-ligare, na intenção de que a religião seja justamente esta religação, este elo de contato entre o homem e seu deus. Por outro lado, o sentido da palavra religião para o português, segundo o Dicionário etimológico da língua latina, tem sua raiz na palavra religio, com um sentido muito mais de um comportamento marcado pela rigidez e pela precisão.
O sociólogo venezuelano, Otto Maduro, define a religião como um sistema de crenças e práticas que se referem a seres superiores com os quais desenvolvemos uma relação de obrigações e benefícios, ou seja, se eu faço o que meu deus quer, ele me abençoa, se eu não faço, ele me amaldiçoa.
Todo sistema religioso é construído com esta lógica da relação de obrigações e benefícios, não importa que seja alguém que oferece um despacho na esquina, ou quem castiga seu corpo com penitências, ou alguém que se propõe a subir uma escadaria de joelhos, ou alguém que participe de uma corrente de oração. Não importa qual seja a expressão religiosa, pois a mentalidade é a mesma: eu faço alguma coisa para este ser superior na esperança de que ele me abençoe.
Esta lógica só implica na perpetuação da culpa e do medo e pode se tornar num estímulo à ganância. Cabe a nós frequentemente a pergunta: Por que é que eu vou cumprir minhas obrigações para com Deus?
Será que é para me livrar da consciência de culpa pelo meu pecado?
Por medo de que através de meu pecado Deus me amaldiçoe, destrua a minha casa, me envie uma praga ou me faça perder o emprego?
Ou porque eu quero prosperar na vida e realizar novas conquistas?
Se for assim, minha relação com este Deus não passa de um sistema de obrigações e benefícios, que desenvolve a prática escravizadora e perversa de divindades opressoras.
Precisamos pensar no Evangelho como a superação da religião, Jesus é a superação desta mentalidade religiosa. O Evangelho deve ser a crença e convicção de que em Jesus Cristo nós recebemos o perdão de Deus e não precisamos viver nesta culpa, não precisamos mais ter medo de Deus e não precisamos fazer nada para merecer seu amor e sua graça.
O Evangelho da graça de Deus faz com que o ser humano descanse no amor e na bondade de Deus. Sendo assim poderemos afirmar como o apóstolo Paulo:
“Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.” (Romanos 1.16)
Pastor Jovanir Lage
Qual é a tua obra?
“E seja sobre nós a graça do Senhor nosso Deus, e confirma sobre nós a obra das nossas mãos; sim, confirma a obra das nossas mãos. Salmos 90:17.”
O Salmo 90 é uma oração coletiva de súplica, diante da fragilidade e brevidade da vida humana. O verso 17 é considerado o lema da Sociedade Metodista de Mulheres e apesar de seu contexto, é um salmo de muita importância para a vida, pois nos mostra de forma clara que debaixo da graça de Deus somos confirmados para o serviço a Ele e ao próximo.
Pensando nisso, tomei o título desta reflexão emprestado de um livro de Mario Sérgio Cortella[1]. A pergunta: Qual é a tua obra? é uma provocação para nos fazer pensar naquilo que realmente tem sentido e valor para nós, pois, qual é a minha obra? Ser reconhecido? Ser grande? Sábio? Ganhar muito dinheiro? Ser admirado? ou as coisas que faço, ganham maior sentido quando me empenho na transformação das relações humanas, onde o poder é substituído pelo serviço?
As vezes precisamos nos olhar no espelho e fazer esta mesma pergunta: “Qual é a tua obra?”, na tentativa de diminuir nosso ego que em muitas situações nos faz ter orgulho e o desejo de ter “poder”.
Quando nos falta o espelho, Deus sempre dá um jeito de colocar em nosso caminho pessoas ou coisas que nos lembre de quem somos.
Ao falar em espelho, me lembrei do “mito de Narciso”, ele era um auto admirador, um herói reconhecido por sua beleza e orgulho. No dia do seu nascimento, um profeta declarou que ele teria uma longa vida se nunca visse a própria face. Depois de um longo tempo, num dia muito quente, o belo rapaz se descuidou e quando debruçou numa fonte para beber água, permaneceu imóvel na contemplação de sua face refletida. Sua beleza era contagiante, ele ficou tão admirado e apaixonado pela própria imagem que não conseguia parar de olhar e nem sair daquele lugar. Narciso morreu contemplando a própria beleza.
A palavra de Deus nos desafia, enquanto sociedade, a viver um nivelamento fraterno, onde ninguém é melhor do que ninguém e sob a graça de Deus se confirmam as nossas obras.
Um grande abraço - Pastor Jovanir Lage
identidade - confiança - liberdade
“E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães.
Mateus 4:3.”
No Evangelho segundo Mateus capítulo 4, nos versos de 1 a 11, lemos o relato das tentações que Jesus sofre ao iniciar seu ministério. Nelas, Jesus é tentado a falsificar a própria missão, realizando uma atividade que só busque satisfazer as suas necessidades imediatas.
“Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães”, esta expressão do diabo tenta colocar em dúvida a identidade de Jesus e também o próprio Deus que logo após o batismo de Jesus, anuncia: “Este é o meu filho amado, que muito me agrada” (Mt. 3.17).
Jesus resiste às tentações, pois não buscava prestígio e nem ambicionava poder e riquezas. Ele tinha, por isso, plena consciência de sua identidade e desfrutava da liberdade de não ter que provar nada para ninguém.
A íntima comunhão entre Jesus e o Pai, produz esta identidade marcante, que se expressa numa relação de confiança.
Nesta lógica, a identidade gera confiança e a confiança produz a liberdade, e a liberdade se projeta como a capacidade de viver sem ter que provar nada para ninguém, sem ter que fazer algo, por merecer a atenção, o carinho, o afeto, o amor e o prestígio de alguém.
Jesus, como modelo para nossa vida e fé, se apresenta nesta liberdade de uma relação de amor.
Nosso relacionamento com Deus, precisa também passar por esta trilogia: identidade; confiança; liberdade. Esta rica experiência nos fará enxergar que Deus nos ama incondicionalmente.
Assim, não precisamos provar para ninguém que Deus nos ama e Aquele que nos ama, também não precisa nos dar pão para provar o seu amor.
Quando estamos seguros quanto à nossa identidade e confiantes em Deus que nos ama, desfrutamos a alegria de viver plena liberdade, em Deus e com o próximo.
Um grande abraço - Pastor Jovanir Lage
além da utopia
“O qual, em esperança, creu contra a esperança, tanto que ele tornou-se pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência.”
Romanos 4:18
O texto acima nos fala de Abraão, que depositou sua fé confiante em Deus e por isto foi considerado justo. Na carta aos Romanos, capítulo 4, Paulo evoca o exemplo máximo da fé para os judeus a fim de ressaltar a importância de cultivarmos esta herança de vida e fé despretensiosa, pois Abraão foi considerado justo, não por ter realizado obras, mas porque acreditou em Deus.
Crer contra a esperança é estar além da esperança, por isto nossa fé precisar ser utópica. Quando classificamos algo como utopia, pensamos no aspecto negativo de quem não “tem os pés no chão” e não sabe diferenciar aquilo que é real ou imaginário, mas a utopia revela um ideal de mundo, é o horizonte da esperança, lugar onde se deseja chegar.
A fé cristã trai seu sentido quando se prende ao passado e deixa de sonhar com o futuro que Deus nos tem reservado. Utopia é o desejo por um amanhã diferente que não deixa de criticar as imperfeições do presente.
Nossa fé tem que ser utópica, aliás, precisa estar “além da utopia”, deve olhar para o futuro fundamentada na esperança e alimentada pela promessa de se projetar mais adiante, pois o amanhã que se espera é que tem a força de transformar o presente.
Diante destas coisas, precisamos perguntar qual é o nosso lugar no amanhã, onde pretendemos chagar enquanto Igreja Metodista em Bela Aurora?
Hoje vivemos um momento importante de nossa caminhada e talvez seja o momento essencial de nos fortalecermos ainda mais, buscando reforçar nossos laços de comunhão, nos aventurando neste horizonte de esperança, cultivando os desafios do presente.
Um grande abraço - Pastor Jovanir Lage
Deus me livre de ser normal, Deus me livre de ser crente!
“Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.”
1 Coríntios 1:18
Em nossa realidade como Igreja de Cristo, experimentamos uma overdose de “novidades”, modismos e superstições que confundem a mensagem central do Evangelho com os ideais deste mundo.
Poder, vitória, guerras, conquistas, grandeza e sobrenatural são alguns dos temas que estão embutidos em nosso atual cristianismo, nos assemelhando aos mesmos ideais deste mundo que trabalha sempre em prol da superação do outro, buscando sempre conquistas e títulos maiores, não se importando com os meios para chegar a este fim.
Nossa tendência de seguir a maioria nos impede de caminhar no sentido de uma reflexão de nossas atitudes, comparada à mensagem da cruz.
O que é normal é aquilo que a maioria decide e assim dá menos trabalho aceitar algo que já está pronto do que “julgar e reter o que é bom”.
No texto bíblico sugerido (1 Coríntios 1:18), Paulo enfrentou os mesmos problemas na comunidade de Corinto. Os Cristãos de sua época estavam tão maravilhados com a vida e a modernidade daquele lugar, que trouxeram para dentro da Igreja os mesmos ideais de beleza, poder, conquista e disputas.
Para eles era muito normal que o valor de uma pessoa fosse medido por sua aparência e posição na sociedade, por isso Paulo inverte o valor das coisas e mostra que o projeto de Deus é contrário ao projeto dos homens e por isso Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; (1 Coríntios 1:27).
A palavra da cruz se torna loucura e foge do padrão para aqueles que não entenderam sua mensagem. O senhor nos chama para viver a autenticidade de um Evangelho que não busca interesses próprios, que não se seduz pelo poder e fama, que não se orgulha de ser “dono da verdade”, mas vive o desafio de ser a “Boa notícia” para aqueles que desejam servir a Deus com alegria e singeleza de coração.
Jovanir Lage
Deus é o totalmente outro
Há um conto bem antigo sobre dois monges que conversavam imaginando como seria o paraíso e eles o comparavam a um lugar de cores vivas, brilhantes, com ruas de ouro, mar de cristal e natureza deslumbrante. Um lugar onde os animais selvagens e silvestres pastavam juntos e em plena harmonia com as pessoas. Eles então resolvem fazer um pacto e combinam que o primeiro a morrer voltaria em sonhos ao amigo para lhe revelar a verdade com apenas uma palavra dizendo: igual, para dizer que era como imaginavam ou diferente, para dizer que era diferente daquilo que imaginavam. Quando um deles morreu, cumpriu parte do acordo, voltou em sonhos ao amigo, mas ao invés de uma única palavra, disse duas: completamente diferente!
Esta estória moveu o imaginário dos teólogos do século passado, que viram nesta fórmula a característica mais curta e marcante de Deus. Deus é assim, completamente diferente.
Um pastor suíço chamado Karl Barth, fez desta frase o seu grito de guerra, desenvolvendo a percepção de que Deus é o Totalmente Outro.
Havia nesta época, a ideia liberalista de que a religião era fruto da cultura de um povo. Deus era o objeto desta cultura. Eles se achavam tão inteligentes, sábios e melhores do que os outros povos, a ponto de inverterem a lógica das coisas, colocando Deus a seu serviço. A Igreja ficou tão seduzida que se confundiu com o poder.
Em seu livro Carta aos Romanos, Barth combatia esta ideologia e para ele, o totalmente Outro não pode ser identificado com nada neste mundo, Deus é sempre sujeito e nunca objeto, Ele não é um simples fenômeno, mas infinito e soberano e por isso só pode ser conhecido quando se revela. Deus é assim, a realidade que infinitamente ultrapassa todas as coisas que conhecemos, pois nada na natureza, no homem ou na história pode revelar a Deus. Ele é de outra ordem, Ele é o Totalmente Outro e não pode ser atingido pelas suposições humanas.
Neste sentido, todas as vezes que comparamos o poder, o amor, a bondade, a misericórdia, a justiça e tantos outros atributos de Deus, com aquilo que conhecemos limitadamente em nossa humanidade, estamos construindo uma imagem muito limitada de Deus. Barth faz a leitura de uma mensagem totalmente diferente, sobre um Deus que requer de nós muito mais do que belas teorias. Ele requer de nós uma postura prática de comprometimento.
É por isso que o evangelho questiona o modo de ser do mundo e consequentemente, de cada ser humano.
Jovanir Lage
Do ressentimento ao esquecimento
Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Efésios 4:26
Este verso do livro de Efésios poderia ser lido também da seguinte forma: “Se você for provocado à ira, não peques, não ponha o sol sobre o vosso ressentimento”. A proposta deste texto é para aprendermos a praticar a capacidade de esquecer aquilo que fere nossos sentimentos, deixar de lado a lembrança daquilo que nos faz ressentir.
Segundo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, o esquecimento é uma força que promove a vida, sendo até um dos fundamentos para a boa convivência, uma espécie de digestão das impressões que os indivíduos recebem do mundo exterior. A memória ou a constante lembrança de algo que nos irritou, surge como uma atitude de menor valor que o esquecimento, pois é através da memória que alguns indivíduos, incapazes de se vingarem diante das ofensas recebidas, alimentam constantemente as impressões negativas a respeito de alguém ou um grupo. Isto provoca um ressentir constante dessas impressões, que por vezes acabam por parecer mais grave do que a ofensa real que as originou. O indivíduo cai nas garras do ressentimento quando se mostra incapaz de esquecer.
Li esta semana um artigo de Luiz Felipe Pondé, professor de Ciências da Religião na PUC de São Paulo, que falava sobre o ressentimento. Achei muito interessante em seu texto a afirmação de que estamos nos tornando a geração do ressentimento, pois desenvolvemos uma espécie de ideal onde tudo e todos precisam concordar com o nosso modo de pensar.
Quando alguém pensa assim, vive como se o mundo, girasse à sua volta, entretanto quando as pessoas percebem que não são o centro do sistema, ou que o sol não nasce só para elas e que as estrelas não brilham só para elas, acabam entrando em desespero. Nietzsche chamava este desespero de ressentimento, que toma conta de nós, que fica remoendo dentro de nossas mentes e corações ideias que nos fazem desesperar, ou seja, perder a esperança.
Pondé afirma que ressentimento é você achar que todos deviam te amar mais do que amam ou reconhecer em você grandes valores que na verdade não existem. Hoje o ressentimento está em toda parte. Não se pode falar nada que todo mundo se ofende, qualquer crítica é assumida como algo pessoal. Estamos vivendo em meio a uma civilização de mimados, que não aprenderam a lidar com a perda, a rejeição ou até mesmo com as opiniões contrárias.
Acredito que uma das saídas para este ciclo encontra-se na observação daquilo que Paulo evidenciou no texto que ressaltamos. O apóstolo dos gentios desafia os cristãos a viverem de modo digno a vocação do amor, que implica em alguns momentos até extravasar a ira, mas sem ressentimentos e sem pecado.
A experiência religiosa - essência, valor e verdade
Carlo Greco propõe em seu livro de 256 páginas, um roteiro que pretende garantir a tensão existente entre a filosofia e a religião, sem querer efetuar algum tipo de absorção e sim estabelecer diálogo entre ambos. O texto estudado compreende uma parte do livro (pp. 47-68) que trata especificamente da “Religião como experiência” e da “Linguagem da experiência religiosa”.
Para Greco o caminho de acesso à experiência religiosa é dado pela “linguagem”, seja do ponto de vista filosófico ou na linguagem corrente, a experiência surge sempre como uma forma de encontro vivo e direto com alguém ou alguma coisa. Deste encontro brotam as percepções, provocações e certezas específicas que se manifestam na consciência e se articulam no sentir do “homem religioso”.
Este sentir ocorre na dimensão cognoscitiva, que na verdade está além do puro sentir, pois a experiência se faz no envolvimento do todo: “imaginação, emoções, mente, vontades, memória e todas as outras faculdades espirituais e corporais”. No campo da experiência ocorre esta dimensão que ultrapassa a esfera da subjetividade para a concretude das formas objetivas.
Seguindo as análises Greco nos diz que as experiências mais profundas e significativas são depositadas na memória. As experiências não são apenas individuais, mas coletivas, e através da linguagem é possível, organizar, identificar e discernir, podendo também reinterpretar, atualizar e expressar a experiência. Como fonte de conhecimento portadora de um saber e lugar de instituição do sentido, a experiência ativa a correlação entre o sujeito e o real geralmente entendido. No perfil fenomenológico a experiência precede três modos fundamentais da presença do real na consciência: a presença das coisas como experiência do objeto, a presença do outro, como experiência pessoal, e a experiência de nós mesmos.
Na “problemática da religião como experiência”, Greco afirma que a reflexão subjetiva sede espaço à particularidade de seu objeto, o totalmente Outro que a constitui uma experiência distinta de outras experiências humanas. Segundo Greco a consideração da religião como experiência contribui para o reconhecimento da especificidade e da autonomia do religioso. A religião configura-se como experiência, pois deriva de um modo legítimo e originário que age na vida e também porque possui concreta relevância no plano histórico.
Sendo assim a experiência religiosa se objetiva diante de três grandes expressões que são as expressões teóricas, práticas, e sociológicas que se realizam através da doutrina, do culto e da vida em comunidade. É nesta forma de linguagem que se dá a transposição de valores e do aspecto imediato do sentir subjetivo.
O autor expõe em “A linguagem como experiência religiosa” uma lógica de reinterpretação provocada pelo símbolo, mito e rito e mostra não somente como eles estão ligados entre si, mas também como eles tendem a se organizarem em estruturas expressivas mais amplas.
O símbolo contribui para a estruturação da experiência, cria vínculos, une fragmentos. A função originária do símbolo enfoca Greco, é criar um vínculo entre os homens e determinar um ato social sendo perceptível e compreensível ao grupo. “Todo símbolo é um sinal visível e ativo que se revela portador de forças psicológicas e sociais”. Nesta relação com carga afetiva, Greco analisa que, o símbolo intervém como mediador em todas as relações que o homem mantém com o mundo que o circunda; por essa razão ele se entrelaça com o Sagrado na experiência religiosa.
Portanto, a linguagem simbólica nasce da experiência vivenciada. Com efeito, Greco nos diz que, “o símbolo é uma linguagem por meio da qual o homem sente, antes ainda de compreender e explicitar racionalmente a própria experiência imediata”.
Analisando as características da função simbólica, Greco estabelece que a primeira função do símbolo é evocativa, ou seja, que é por meio da intensificação alusiva de um sinal que se permite indicar a ordem do sentido como evidência. Como segunda função, o símbolo tem a capacidade de produzir uma transformação operativa ou performativa, enquanto induz a emoção, solicita sentimentos e imagens. Ao gerar novas relações o símbolo é uma energia emotiva afetiva.
Muito mais do que em qualquer outra linguagem o símbolo em sua conotação racional, revela e esconde a realidade que significa. Portanto, não surpreende o fato que toda comunicação da experiência religiosa ocorra espontaneamente, mediante a linguagem simbólica. Com relação a qualquer outro gênero de símbolos, o símbolo religioso contém e representa uma peculiaridade própria.
Segundo a fenomenologia, este algo de sagrado que se manifesta traz ao símbolo religioso o caráter de hierofania, que é a mediação que o Sagrado utiliza para a sua manifestação.
Avante nessa perspectiva Greco apresenta uma relação dialética entre mito e símbolo. O mito, portanto da ordem e significação, estruturando o mundo do símbolo religioso, ele vem ser a linguagem do símbolo. O mito está ligado ao primeiro conhecimento que o homem adquire de si mesmo e daquilo que o circunda; apresentando-se como o relato de um acontecimento ocorrido nas origens do tempo e tendo como protagonista uma divindade, na qual o homem contempla sua própria condição e a do universo, extraindo deles uma lei e uma dimensão divina.
A função do mito é estabelecer um exemplo; por isso estruturalmente a forma mítica pertence à linguagem religiosa presente em todas as religiões. A experiência religiosa é expressa mediante os ritos, pois a ação ritual é essencialmente a conclusão ativa de uma transformação simbólica da experiência religiosa. Nessa estrita correlação entre rito e mito, nos diz Greco que “o rito é um mito em ação”. A partir do rito a vida do homem, o agir e o tempo ganham novos sentidos e energia, sua exigência nasce do fato de que a vida cotidiana tem necessidade de ser constantemente reduzida à relação com o Divino para não perder seu sentido. Por fim, Greco analisa que o ritualismo religioso vai de formas mais simples a práticas precisas e definidas que constituem o culto.
O contexto religioso torna sagrado: as expressões, as palavras, gestos e movimentos, carregando-se de uma consistência simbólica derivados de um passado ancestral significando a íntima relação entre o humano e o divino.
Carlo Greco nos traz a pensar que na expressão na experiência religiosa o símbolo não pode ser visto de forma isolada nas sim um sistema simbólico formado pelo símbolo, mito e rito. Por meio desta articulação coerente, todo o meio se torna resinificado e o real se faz preenchido de sentido. Por outro lado, aquilo que a consciência vive na experiência religiosa é muito mais do que se conseguiria objetivar na linguagem.
O Campo religioso brasileiro e suas transformações históricas
O artigo produzido por Artur Cesar Isaia enfatiza as significativas transformações vivenciadas no campo religioso brasileiro, bem como, a multiplicidade religiosa e cultural em que foi formado o nosso povo.
A partir deste olhar para a histórica diversidade que existe em nossa formação cultural e social, o autor propõe que o campo religioso brasileiro não está isento de “misturas”. Por mais que surjam grupos que reafirmem uma identidade e uniformidade religiosa, sempre haverá lacunas que provavelmente, cederão passagem para alguma outra experiência religiosa, dentro da própria religião.
Ser religioso no Brasil é de certa forma ser diversificado e a compreensão do campo religioso brasileiro, segundo o autor, passa por esta “porosidade identitária”, que nos faz ser “isto ou aquilo ao mesmo tempo”.
A idéia de uma identidade fixa e uma unicidade étnica e religiosa sempre foram levantadas como valores e princípios morais, porém, estas foram justamente as idéias que reforçaram o preconceito e a segregação. Em nome de uma uniformidade religiosa e da reafirmação de identidade, alguns grupos se arrogaram como detentores da verdade, alegando por vezes a supremacia de um povo, raça ou até mesmo se elegendo como defensores de uma ortodoxia em nome e mandato de Deus.
O autor ressalta que as idéias de uniformização acompanham não somente os grupos religiosos maiores como o catolicismo e o protestantismo, mas também toca a vaidade de grupos pequenos como a Umbanda que através de seus intelectuais buscavam a anulação de qualquer resquício de sua africanidade, preferindo se associar ao hinduísmo.
O grande problema é que por longo tempo o “ser brasileiro” foi associado ao desleixo, despreparo ou algo inferior e o próprio povo assimilou esta idéia, preferindo as marcas de uma cultura “superior” europeizada e branca que o desassocia desta “imagem”.
Embora evoluímos em muitas coisas, restam ainda marcas deste imaginário em nossos dias, que persistem na formação de um projeto identitário e até mesmo em uma transposição de valores.
Apoiado nos estudos de Pierre Bourdieu, Isaia destaca que a transformação nas configurações históricas da religião, principalmente no campo religioso brasileiro, passa pela idéia da especialização, legitimação, tensão e capital simbólico. Na verdade, o campo religioso é mais bem compreendido a partir da lógica da tensão que se faz entre os grupos especializados e a manipulação dos elementos do sagrado. Um bom exemplo, são as transformações que acontecem na economia das trocas simbólicas, pois a ordem das coisas estabelecidas começam a se alterar em função de uma nova “revelação” legitimada pelo carisma daquele que se relaciona diretamente com o sagrado.
Citando Bourdieu, Isaia complementa: “Toda seita que alcança êxito tende a tornar-se igreja, depositária e guardiã de uma ortodoxia, identificada com as hierarquias e seus dogmas, e por esta razão, fadada a suscitar uma nova reforma”.
Sendo assim, o campo religioso brasileiro passa por alguns estágios de emergência de certos setores, abandonando o ideal de um país hegemonicamente católico ou protestante.
O campo religioso no Brasil continua a se desenvolver e configura aspectos de uma religiosidade descompromissada com laços tradicionais de pertença, cultura ou ética. Um novo efeito social causado pelo apelo soteriológico, reforça este novo tipo de religiosidade individualista, que segundo o autor, WEBER denomina de “religiosidade soteriológica congregacional”, não há mais tribo, não há mais pertença, não há mais território, tudo é de todos.
Isaia conclui seu artigo, demonstrando que as transformações no campo religioso brasileiro continua em desenvolvimento, marcado por experiências subjetivas e interpelativas em muitos casos. O neopentecostalismo é sugerido pelo autor como uma “amostra eficiente deste processo”.
Como considerações finais, acredito que o campo religioso brasileiro, está hoje, um passo adiante neste processo de transformação, pois os efeitos da crise enfrentada pelo institucionalismo, associado, em muitos casos, a decepções oriundas de um trânsito religioso, desenvolve um novo tipo de crença desencaixada de laços institucionais, com redefinição de identidade e rearranjos pessoais, promovendo um novo conceito religioso.
O censo de 2010 revela que cerca de 15,3 milhões de pessoas estão classificadas nessa categoria. Mesmo sendo ainda a minoria, estes grupos que se denominam “espiritualistas” ou “sem religião” revelam uma face importante deste processo de transformação do campo religioso brasileiro.